Outro "gajo da oposição!

Publicado no EXPRESSO


Opinião
José Gomes Ferreira
Desculpem, não posso concordar
Caros Presidente da República, Primeiro-Ministro, Secretário-Geral do Partido Socialista
No Portugal pós resgate, é suposto não ficar tudo na mesma. A começar pelas atitudes dos políticos de topo. No espaço de poucas semanas, Aníbal Cavaco Silva, Pedro Passos Coelho e António José Seguro mostraram que continuam agarrados à velha maneira de fazer política. De que os portugueses estão fartos.
1Discretamente, no dia 30 de Abril, enquanto o Governo apresentava o famoso DEO – Documento de Estratégia Orçamental, o Presidente da República condecorava seis personalidades da vida económica nacional, entre as quais Faria de Oliveira e António Mexia.
Nada me move, repito, nada me move em termos pessoais contra estes cidadãos nacionais em concreto. Estou certo de que, nas suas carreiras, deram contributos importantes para a vida económica, social, política e até cultural do país.
Se em devido tempo o fizeram, em devido tempo deveriam ser publicamente homenageados.
Não consigo compreender porque, nesta altura, à saída de um doloroso programa de resgate, foram condecorados gestores e banqueiros que também contribuíram para a gigantesca deriva económica e financeira que criou a necessidade desse mesmo resgate.
Não foi, pelo menos em boa parte, durante o mandato de Faria de Oliveira que a Caixa Geral de Depósitos gastou recursos que não tinha (foram pedidos nos mercados de dívida), numa aposta ruinosa para fazer crescer as operações da Caixa em Espanha? Aposta que, comprovadamente, se traduziu em muitas centenas de milhões de euros de prejuízos diretos das participadas no país vizinho?
Não foi este banqueiro que permitiu a concessão de créditos de centenas de milhões de euros a investidores que apenas queriam especular nos mercados com esse dinheiro, nomeadamente na tomada de poder no BCP, tendo comprado ativos que logo a seguir se desvalorizaram muitas vezes minando o valor do colateral entregue ao banco financiador? (Curiosamente, Filipe de Bottom, um dos vários investidores financiados pela CGD para comprar ações do BCP, foi também condecorado pelo Presidente no dia 30 de Abril…)
Antes de ser condecorado, o ex-presidente da CGD não devia explicar ao país porque deixou avolumar uma estratégia que conduziu a muitos milhares de milhões de euros de imparidades que todos nós, acionistas do banco público, temos de assumir? Não devia explicar ao país porque não antecipou os perigos de uma concessão de crédito orientada para o imobiliário, a construção e os setores protegidos, enquanto a indústria e os transacionáveis em geral perdiam peso no bolo do financiamento bancário à economia (tendo afinal sido nomeado para a presidência da Associação Portuguesa de Bancos)?
Não é António Mexia o responsável pelo endividamento brutal da maior operadora de eletricidade portuguesa, um passivo que já ultrapassa os 18 mil milhões de euros, mais de 10 por cento do PIB nacional – dívida que os mercados naturalmente associam ao país que tem a posição de investimento internacional mais desequilibrada de toda a Zona Euro e uma das mais negativas do mundo?
O mesmo gestor que há pouco tempo pedia aos mercados financeiros 600 milhões de euros com o objetivo, declarado no relatório e contas, de distribuir a maior parte em dividendos aos acionistas? (estranha interpretação do conceito de dividendo que assim deixa de depender do lucro e passa a depender do crédito obtido); O mesmo presidente de uma companhia que é a campeã das rendas garantidas ou “lucros excessivos”, assim literalmente referidos pela (alegadamente neoliberal) Troika, em quase todas as suas avaliações? (Troika que se vai embora sem resolver o problema porque não há coragem política, nem do Governo nem do Presidente da República, para o denunciar com clareza e para o resolver de vez)
A VELHA POLÍTICA JÁ NÃO SERVE PARA ESTES TEMPOS. SÓ OS QUE A USAM AINDA NÃO PERCEBERAM QUE ESTAMOS TODOS FARTOS
O mesmo gestor, que enquanto presidente da GALP queria fechar a refinaria de Matosinhos libertando terrenos para a especulação e escancarando o norte de Portugal às vendas de combustível das refinarias da Galiza?
Aníbal Cavaco Silva, o orador que nas comemorações dos 40 anos do 25 de Abril, fez o discurso mais prospetivo, o mais focado no futuro do país, voltou a agir com a cabeça no passado. O passado que devemos mudar. Não posso concordar com o que fez, discretamente, na tarde de 30 de Abril.
2Como não posso concordar com o Primeiro-Ministro. O homem que vai ficar na História como líder do Governo que tirou Portugal da bancarrota. Até há poucos dias, Pedro Passos Coelho andou sistematicamente a amarrar as expectativas de libertação de impostos e de recuperação de rendimentos dos portugueses à exata medida em que a futura folga da execução orçamental o permitisse, e sempre só a partir de 2016. Afinal, ainda não há folga orçamental confirmada mas os cortes nos sistemas de pensões são reduzidos para metade já em 2015, os escalões mais altos da taxa de sustentabilidade desaparecem em 2017 (os reformados com mais projeção mediática da história da nossa democracia são repostos em sossego e deixam de clamar pela reestruturação imediata da dívida pública) e os cortes de salários da função pública são repostos em 20 por cento ao ano durante os próximos cinco anos…não à custa de excedentes orçamentais, mas de aumentos da TSU e do IVA. Afinal, 2015 é ano de eleições a sério e as máquinas dos partidos da coligação não admitem ser lixadas, apesar de o presidente do PSD ter dito claramente que o país estava primeiro.
Devolver salários e pensões pagos por um Estado que ainda não equilibrou completamente as suas contas à custa de mais aumentos de impostos e taxas não tem mérito político nem de gestão. Teria mérito se resultasse de uma efetiva reforma do Estado e das Finanças públicas. Essa, a reforma do Estado, fica para quando a promessa – de Paulo Portas – deixar de o ser: isto é, nunca, com este Governo . O mesmo que prometeu tudo fazer para baixar o IRS. Vê-se…
Vê-se a velha política, no seu pior, quando o Governo em coro passa dias a fio a defender que não há aumento de impostos numa subida do IVA e da TSU que serve para financiar o sistema de pensões. De facto, na velha política é tudo questão de semântica, tudo é relativo.
3António José Seguro mostrou sentido de Estado ao dizer que foi bom para o país termos saído do programa de assistência para regressar a mercados sem necessitar de mais ajuda financeira. Logo acrescentou que o país regressa aos mercados mas os portugueses têm de suportar mais sacrifícios – o que é verdade, e por muitos anos – mas que “isto só acontece porque o programa falhou nos seus objetivos fundamentais” – o que não é verdade. E Seguro sabe que não é verdade. Desde logo porque, se o programa tivesse falhado, nunca teríamos regressado aos mercados. Por definição.
Quanto à dívida pública, já em 2011 se calculava que no final de 2013 estaria nos 112 por cento do PIB. Na realidade, está nos 118 por cento porque havia mais dívida escondida graças às engenharias financeiras do trio Sócrates - Teixeira dos Santos - Costa Pina, dívida que teve de ser varrida dos cantos onde estava camuflada. A diferença dos 118 para os 129 por cento é a almofada financeira, dinheiro que está nas contas do Estado para pagar as próximas responsabilidades e que muito jeito dará a um Governo PS, se o poder mudar de mãos.
É verdade que o défice oficial está acima dos quatro por cento. Será reduzido para dois e meio por cento este ano à custa de mais sacrifícios. Mas o saldo primário das contas do Estado já será positivo. A diferença é a conta dos juros que resultam sobretudo do enorme aumento de dívida feito desde 2005. O programa não falhou no objetivo do equilíbrio operacional das contas do Estado. Um Governo PS irá beneficiar deste resultado.
O líder do PS bem sabe, não quer reconhecer, que a maior vitória coletiva do país está expressa no reequilíbrio das contas externas. A balança corrente e de capital regista um saldo positivo, quase cinco mil milhões de euros, pela primeira vez desde há muitas décadas. O PS insiste que os juros da dívida portuguesa estão a descer porque o BCE mudou de estratégia. Apenas em parte é verdade. A maior razão para a descida das yields da nossa dívida está no saldo positivo das contas externas, na reconquista da nossa capacidade de auto - financiamento. Que vai beneficiar o país e de caminho a próxima governação.
António José Seguro bem sabe que uma economia alimentada a crédito certamente que mantinha mais empregos do que aqueles que efetivamente podia sustentar. E que estes teriam de desaparecer quando fossemos obrigados a reconhecer a mentira económica em que vivíamos. O desemprego subiu, as falências aumentaram, quando caiu a máscara da economia de ficção. Já está a descer, como mostram as estatísticas nacionais e europeias. O próximo Governo, que poderá bem ser do PS, vai beneficiar desta tendência. E a economia voltou a crescer, porque se libertou de parte da mentira em que vivia: vai também beneficiar um Governo PS, que ainda terá de acabar com a última mentira persistente – a de que há liberalismo e efetiva concorrência em Portugal. Entre a maior parte das grandes empresas da bolsa não há. Há oligopólio. Este Governo já desistiu de acabar com esta mentira. Ainda a reforçou com algumas privatizações que, na verdade, foram apenas vendas de direitos de cobrar rendas.
António José Seguro insiste no velho chavão político – o Governo fez tudo mal. Não fez tudo mal. E Seguro ganhava mais credibilidade, se o reconhecesse. E a partir daí, mostrasse as propostas concretas que tem para fazer melhor. Para não lhe acontecer como a François Hollande, em quem dois terços dos franceses dizem já não acreditar, depois do choque de realidade que teve há pouco tempo e da mudança radical no sentido da sua governação.
A velha política já não serve para estes tempos. Só os que a usam, ainda não perceberam que estamos todos fartos.

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